A minha mesa de café, o meu banco de jardim, o meu muro de lamentações, a minha varanda para o mundo

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Hoje, mãe, este cérebro que vai perdendo faculdades a olhos vistos, armou-me uma cilada. Esqueceu-se que há 22 anos, partiste, de repente, sem aviso, sem cuidares sequer de mandar um recado, uma nota, um sinal. De repente. Como uma ave que bate asas, rumo a nenhures, rumo ao infinito apenas, assim partiste tu.
E, hoje, eu vesti, como que em festa, um vestido de muita cor, contrariando o que tem sido hábito, quando, me dava conta que, inalterável e inconscientemente, neste dia, algo me obrigava a vestir sempre de uma cor mais consentânea com a cor do meu coração.
Não que seja apologista do luto, esse luto exterior, que nada diz. Visto de negro por outros motivos que não têm nada a ver com a negrura que nos fica na alma ao perdermos alguém.
Mas habituei-me a aceitar, e considerar até acertados, os ditames do meu inconsciente e a gostar mesmo de, nesta data, vestir cores mais escuras.
Hoje, quebrou-se a tradição, mãe, apesar de os olhos ainda se me toldarem, as lágrimas se desatarem e estas linhas se transformarem numa névoa, qualquer coisa difusa e indistinta no monitor.
Não, mãe, já não escrevo no meu caderno, escrevo-te agora, num aparelho que nunca viste, onde fica, milagrosamente, registado, tudo o que escrevo, ao tocar num teclado, que também não sabes o que é mas que depois, um dia, te explico.
Quando nos reencontrarmos, vamos ter tempo para tudo, mãe. Tempo!! Essa coisa voraz e passageira, finita e terrível! E o tempo da tua vida foi tão curto para mim!
Desde que partiste, sou muito mais cerebral; Atenho-me muito mais ao que a cabeça manda e regula. E ambas sabemos bem por quê. É que o coração, mãe, o meu coração, pus-to eu sobre as tuas mãos que estavam tristemente,brancas e geladas, cruzadas sobre o teu peito.
E foi contigo, para sempre!

A tua filha,
C.

Sem comentários:

Enviar um comentário