A minha mesa de café, o meu banco de jardim, o meu muro de lamentações, a minha varanda para o mundo

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Os amores-(im)perfeitos na minha vida

Decidi, escrever-te uma carta.
Melhor, fazer de conta que te escrevo uma carta. Para te falar dos meus desatinos, dos meus olhares vazios, das vezes em que a tua imagem me avassala ,vem abruptamente , e eu pura e simplesmente deixo de seguir o que estava a pensar ou/e a fazer e fico para ali, parada, silenciosa, a lembrar-me de ti.
Não sei se já reparaste, se calhar não, mas florescem amores-perfeitos, nos canteiros dos jardins públicos da cidade. Não que isso tenha importância, claro que não.
Desde criança que adoro amores-perfeitos. Invade-me por vezes uma nostalgia imensa desses tempos, perdidos em bruma. Uma infância tão diferente das infâncias das nossas crianças de hoje!
Eu era uma menina pobre. Morava numa casa grande; quando somos pequenos tudo é, na nossa memória, desmesuradamente grande. Depois quando crescemos, choca-nos a pequenez das coisas, ao revê-las.
Mas, a casa era grande, aquela casa era mesmo grande e as tábuas do soalho eram tão grandes que o meu corpito estreito e pequeno cabia inteiro em cada uma delas…Eram tábuas grossas e envelhecidas . Havia uma varanda que dava para uma eira enorme. E do lado direito da eira a casa da Angélica.
A casa onde eu e a minha família vivíamos era arrendada;A senhoria, que vivia na casa imediatamente ao lado, era muito mais velha que o marido, de cabelo preso num pequenino novelo de cor da prata , sem filhos e dedicava-me a mim, nos meus 7 ou 8 anos, um carinho especial. Eu via-a, um pouco, como a avó ausente, que tinha ficado lá longe, na terra onde nasci, por força da necessidade de meus pais ganharem o pão, para criar os quatro filhos.
Por detrás das casas, havia um terreno, grande, cultivado em cada centímetro quadrado, a que eu acedi, sempre, acompanhada da velha senhora. E ao fundo do lado direito- ainda estou a vê-lo! Havia um grande canteiro de amores-perfeitos!!!!
Eu olhava-os de olhos arregalados e atentos, presa daquele colorido magico. Eram lindos nas suas formas e cores aveludadas. Que delicia! Para mim é como se fossem eternos. Possivelmente foi apenas durante uma estação que visitei o canteiro mas por mais que uma vez, ou então, a visita repetiu-se no ano seguinte e na minha memória o lapso de tempo não existe.
Lembro-me apenas com saudade , sempre, dos amores-perfeitos dessa minha infância, esses , os da minha vizinha e senhoria. Sinto-lhes ainda o toque e o perfume, quando olho nostálgica para os amores-perfeitos de que te falei.

Mais tarde, aquela senhora morreria e no mesmo dia morreria o marido, o que obrigou a que fossem enterrados juntos. Já naquele tempo, o meu romantismo me levava a altas considerações sobre o amor, horas e horas de olhar parado, em cima do caderno ou do livro da escola.

Por que te falo de amores-perfeitos? Por nada , talvez associação livre.
A pena que tenho, de não te chegar a conhecer inteiramente. Se calhar tu também tens destas memórias, de nadas, de pequenas coisas, que preenchem o nosso universo particular e fazem de nós, afinal, as pessoas que somos.
Sim, porque mesmo que fosse possível, num esforço de abstracção pura, idealizar outro alguém exactamente igual a nós, seriam sempre as nossas memórias, as nossas vivências, a fazer de cada um de nós, uma pessoa diferente.
Sim , pouco nos conhecemos. Talvez por isso, este amor, foi assim, estranhamente intenso e inquietantemente profundo .
Não, não por favor!! Eu sei que tu tens imensa coisa para me dizer; hás-de querer de certeza lembrar-me que, também tu, me amaste embora não desta forma, quase doentia, como te amei; hás-de querer, quiçá, falar-me das vezes que te lembras do meu perfume, da minha voz, das minhas palavras, dos meus beijos.
Deixa. A sério, não digas nada.
Guarda, para ti, as vezes que os meus olhos te falavam de coisas inconfessáveis, que eu farei o mesmo.

Afinal, sabes, sim tu sabes, quantas pessoas poderão dizer o mesmo que nós?
Quem poderá falar de uma paixão deste tamanho?
Guarda, guarda na sombra acetinada e protegida de uma gaveta especial, no teu coração, a memória deste meu amor.
E, aproveita, corta uns amores-perfeitos e mete-os lá nessa gaveta. Mexe-lhes, apenas, quando sentires que a morte se aproxima.
Repara , então ,que das as pétalas secas, se evola ,nítido, o meu perfume .

O meu amor continua vivo.




E.G.

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