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segunda-feira, 4 de julho de 2011

Estamos de parabens:a presidencia da assembleia da Republica pertence a uma mulher






Assunção Esteves é a primeira mulher eleita para o cargo de segunda figura do Estado, isto é, presidente da Assembleia da República. Foi aplaudida de pé por todas as bancadas, com inteira justiça – tem um trajecto honrado e brilhante, no Parlamento e fora dele.

Assim, ao segundo dia, depois da infeliz tentativa do primeiro-ministro de impôr ao Parlamento uma figura que não só nunca teve qualquer relação com ele como se candidatou a Presidente da República maldizendo a política e os políticos, a Assembleia da República deu prova da sua nobreza, do seu brio e da sua independência. São importantes estes sinais, num mundo atravancado de oportunismos.

NO SEU excelente discurso, Assunção Esteves recordou que as mulheres políticas trazem «para o espaço público o valor da entrega e a matriz do amor». Esta verdade genérica precisa de ser olhada com atenção, e alterada – até porque o espaço político continua a ser um território esmagadoramente masculino.

O novo Governo, aliás, cuja juventude e competência académica têm sido tão incensadas, carece, à partida, desse sintoma ineludível de progresso que é a paridade. Não porque as mulheres tenham, por determinação genética, especiais dons ou capacidades – mas porque metade da sociedade (mais de metade, no caso português) é composta por elas. É natural que ao primeiro-ministro ocorram primeiro nomes de homens – precisamente porque a política sempre se auto-organizou como um fórum masculino.

Paulo Portas tem feito um esforço activo e continuado para trazer mulheres – e mulheres de qualidade, deve dizer-se – para a política e, sobretudo, para lhes dar lugares de destaque. A ascensão rápida de Assunção Cristas é um bom exemplo disso – e a desconfiança apriorística de muitos comentadores em relação à sua competência para os Ministérios que lhe foram entregues, desconfiança que não se tem aplicado (muito pelo contrário) aos vários ministros sem qualquer experiência governativa que compõem este Governo, é eloquente quanto ao caminho que falta fazer para que as mulheres tenham o mesmo direito que os homens à presunção de capacidade.

Estado de graça, para as mulheres, continua a ser apenas e só sinónimo de gravidez. É pouco, e básico.

Amor e entrega: as mulheres foram e são educadas para viver dentro da música destas duas palavras – o que lhes deu e dá resistência para suportar o insuportável e para perdoar o imperdoável. Também por isso estiveram invisíveis durante a maior parte da História da Humanidade. Os homens foram e são educados para a competição e o combate – com surtos ou momentos isolados de amor e entrega, que funcionam como o descanso do guerreiro.

Numa primeira versão de um dos meus romances havia um homem que às tantas dizia a uma mulher: «Entreguei-me a ti». Mão amiga masculina prontamente me fez ver a inverosimilhança da frase: «Onde é que foste buscar isto? Alguma vez ouviste isto a um homem? Não conheço nenhum que fosse capaz de o dizer. Nem bêbado». Emudeci, corrigi aplicadamente o derrame imaginário, e pensei que o mundo só melhorará quando as mulheres amarem menos e os homens se entregarem mais.

Agora, aos novos governantes exige-se-lhes que se entreguem ao país, que aprendam com as mulheres a manter o entusiasmo e a candura ao longo do tempo e das vicissitudes, e a ousarem a coragem de se manterem fiéis aos seus sonhos – ou seja, a si mesmos.

Inês Pedrosa

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