A minha mesa de café, o meu banco de jardim, o meu muro de lamentações, a minha varanda para o mundo

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Cinza. Com os anos, o pelo azeviche foi-se tornando cinzento. Era uma bolinha de caracois cinzentos, a bambolear-se de forma única sobre 4 patinhas quase brancas; emergindo do corpo roliço era a cabeça redonda como um sol,que uma nuvem tinha encoberto, mas onde brilhavam luminosos e atentos 2 olhinhos redondos,negros e aguados que acompanhavam tudo o que eu dizia e fazia.. infatigavelmente, segui... a-me, todos os passos que eu desse,apesar da dificuldade que ultimamente já demonstrava a levantar-se.Foi a minha companheira fiel,a quem eu falava e explicava desaires e e alegrias,fatalidades e êxitos. De noite , no escuro,sorria ao ouvi-la ressonar. Foi por imensas vezes,em noites mais negras que o meu coração inquieto se acalmou através do ritmo da sua respiração tranquila.Nunca me senti só.A minha Thulcandrinha, (pomposamente batizada pela minha filha de Thulcandra Manuela de Bourbon)fazia parte de mim e da minha vida como se humana fosse. E para choque de muita gente eu beijava-a ,sofregamente,cobria-a de beijos , de festas de mimos, porque ela tudo merecia. Há cerca de 10 dias adoeceu. Começou a beber quantidades exorbitantes de agua.Passei a ter de levar para o quarto,agua colocada junto da cama dela..Uma noite destas,acordei sobressaltada com ela a passear no quarto. Era a maneira de ela me acordar.Deitei-a carinhosamente, na sua caminha que todas as noites lhe fazia ao lado da minha. Mas ,tive a certeza imediata que me ia deixar. Fui ao armário e tirei um edredon e deitei-me junto dela. Abraçada a ela, em choro convulso. O telefonema às 5: 30 a minha filha.A ida a outro veterinário. O RX claro, o prognostico animador apesar da gravidade.Ao chegar a porta de casa,senti o seu corpinho que embrulhei numa toalha azul ,dobrar-se como um saco vazio, sobre as minha pernas. Mole,sem vida.Mas o coração batia. E corri o mais que pude pelas escadas acima a deita-la no sofá,no meu sitio.Mas , a minha cadelinha adorada,dava o seu ultimo suspiro pouco depois.Indiferente aos meus gritos desesperados,aos meus apelos para que não me deixasse. Os olhos ficaram abertos, mas não tinham mais sem vida . Quietos , parados. Cinza, cinzentinha e sem vida. E eu que já enterrei um filho pequenino,apertei-a ao peito como se de um filho se tratasse. Depois, levei-a em braços,e no carro da minha filha aconcheguei-a no meu colo , encostei-lhe a cabeça sem vida, ao meu coração partido,a sentir sobre as minhas pernas o peso do seu corpinho ainda quente.E, depois, com as minhas mãos , as mesmas que ela tantas vezes lambeu, peguei numa enxada e no sitio que me pareceu mais bonito,num terreno que também me pertence, abri uma pequena cova sob um castanheiro que la existe.De alma a sangrar,e de olhas turvos, a sentir que cada vez que levantava a enxada ,cairia no segundo imediato completamente exaurida no chão, na mesma terra remexida que a havia de cobrir. Depois , la a coloquei, aconchegada no fundo da pequena cova, com todo o cuidado para que ficasse confortável, embrulhada na mesma toalha azul com que a levei, aflita ao veterinário, e que afinal lhe serviu de mortalha. A minha filha gemeu:”Mãe olha os olhos!”, porque ao cobri-la com terra não tive o cuidado de lhe tapar os olhinhos. E depôs,ternamente, umas pequeninas flores silvestres sobre ela. Depois , a pequena elevação de terra foi batida dos 4 lados como a campa de um ser humano. À falta de melhor, corri o terreno com um balde a procura de pedras lisas com que lhe murei o pequeno jazigo. E como não havia flores cortei 2 ramos do castanheiro e pus-lhos sobre o sitio onde estava a cabeça dela,como para a proteger do sol, ou do frio. Fez parte da minha vida durante quase 12 anos. E o corpinho redondo que tantas vezes cobri de beijos, lá jaz envolto num toalha de banho azul.A apodrecer devagarinho . Cinza a fazer-se cinza. .

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