A minha mesa de café, o meu banco de jardim, o meu muro de lamentações, a minha varanda para o mundo

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Nada me faltará- Última crónica de uma mulher inteira


Acho que descobri a política - como amor da cidade e do seu bem - em casa. Nasci numa família com convicções políticas, com sentido do amor e do serviço de Deus e da Pátria. O meu Avô, Eduardo Pinto da Cunha, adolescente, foi combatente monárquico e depois emigrado, com a família, por causa disso. O meu Pai, Luís, era um patriota que adorava a África portuguesa e aí passava as férias a visitar os filiados do LAG. A minha Mãe, Maria José, lia-nos a mim e às minhas irmãs a Mensagem de Pessoa, quando eu tinha sete anos. A minha Tia e madrinha, a Tia Mimi, quando a guerra de África começou, ofereceu-se para acompanhar pelos sítios mais recônditos de Angola, em teco-tecos, os jornalistas estrangeiros. Aprendi, desde cedo, o dever de não ignorar o que via, ouvia e lia.
Aos dezassete anos, no primeiro ano da Faculdade, furei uma greve associativa. Fi-lo mais por rebeldia contra uma ordem imposta arbitrariamente (mesmo que alternativa) que por qualquer outra coisa. Foi por isso que conheci o Jaime e mudámos as nossas vidas, ficando sempre juntos. Fizemos desde então uma família, com os nossos filhos - o Eduardo, a Catarina, a Teresinha - e com os filhos deles. Há quase quarenta anos.
Procurei, procurámos, sempre viver de acordo com os princípios que tinham a ver com valores ditos tradicionais - Deus e a Pátria -, mas também com a justiça e com a solidariedade em que sempre acreditei e acredito. Tenho tentado deles dar testemunho na vida política e no serviço público. Sem transigências, sem abdicações, sem meter no bolso ideias e convicções.
Convicções que partem de uma fé profunda no amor de Cristo, que sempre nos diz - como repetiu João Paulo II - "não tenhais medo". Graças a Deus nunca tive medo. Nem das fugas, nem dos exílios, nem da perseguição, nem da incerteza. Nem da vida, nem na morte. Suportei as rodas baixas da fortuna, partilhei a humilhação da diáspora dos portugueses de África, conheci o exílio no Brasil e em Espanha. Aprendi a levar a pátria na sola dos sapatos.
Como no salmo, o Senhor foi sempre o meu pastor e por isso nada me faltou -mesmo quando faltava tudo.
Regressada a Portugal, concluí o meu curso e iniciei uma actividade profissional em que procurei sempre servir o Estado e a comunidade com lealdade e com coerência.
Gostei de trabalhar no serviço público, quer em funções de aconselhamento ou assessoria quer como responsável de grandes organizações. Procurei fazer o melhor pelas instituições e pelos que nelas trabalhavam, cuidando dos que por elas eram assistidos. Nunca critérios do sectarismo político moveram ou influenciaram os meus juízos na escolha de colaboradores ou na sua avaliação.
Combatendo ideias e políticas que considerei erradas ou nocivas para o bem comum, sempre respeitei, como pessoas, os seus defensores por convicção, os meus adversários.
A política activa, partidária, também foi importante para mim. Vivi--a com racionalidade, mas também com emoção e até com paixão. Tentei subordiná-la a valores e crenças superiores. E seguir regras éticas também nos meios. Fui deputada, líder parlamentar e vereadora por Lisboa pelo CDS-PP, e depois eleita por duas vezes deputada independente nas listas do PSD.
Também aqui servi o melhor que soube e pude. Bati- -me por causas cívicas, umas vitoriosas, outras derrotadas, desde a defesa da unidade do país contra regionalismos centrífugos, até à defesa da vida e dos mais fracos entre os fracos. Foi em nome deles e das causas em que acredito que, além do combate político directo na representação popular, intervim com regularidade na televisão, rádio, jornais, como aqui no DN.
Nas fraquezas e limites da condição humana, tentei travar esse bom combate de que fala o apóstolo Paulo. E guardei a Fé.
Tem sido bom viver estes tempos felizes e difíceis, porque uma vida boa não é uma boa vida. Estou agora num combate mais pessoal, contra um inimigo subtil, silencioso, traiçoeiro. Neste combate conto com a ciência dos homens e com a graça de Deus, Pai de nós todos, para não ter medo. E também com a família e com os amigos. Esperando o pior, mas confiando no melhor.
Seja qual for o desfecho, como o Senhor é meu pastor, nada me faltará.


Maria José Nogueira Pinto

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Estamos de parabens:a presidencia da assembleia da Republica pertence a uma mulher






Assunção Esteves é a primeira mulher eleita para o cargo de segunda figura do Estado, isto é, presidente da Assembleia da República. Foi aplaudida de pé por todas as bancadas, com inteira justiça – tem um trajecto honrado e brilhante, no Parlamento e fora dele.

Assim, ao segundo dia, depois da infeliz tentativa do primeiro-ministro de impôr ao Parlamento uma figura que não só nunca teve qualquer relação com ele como se candidatou a Presidente da República maldizendo a política e os políticos, a Assembleia da República deu prova da sua nobreza, do seu brio e da sua independência. São importantes estes sinais, num mundo atravancado de oportunismos.

NO SEU excelente discurso, Assunção Esteves recordou que as mulheres políticas trazem «para o espaço público o valor da entrega e a matriz do amor». Esta verdade genérica precisa de ser olhada com atenção, e alterada – até porque o espaço político continua a ser um território esmagadoramente masculino.

O novo Governo, aliás, cuja juventude e competência académica têm sido tão incensadas, carece, à partida, desse sintoma ineludível de progresso que é a paridade. Não porque as mulheres tenham, por determinação genética, especiais dons ou capacidades – mas porque metade da sociedade (mais de metade, no caso português) é composta por elas. É natural que ao primeiro-ministro ocorram primeiro nomes de homens – precisamente porque a política sempre se auto-organizou como um fórum masculino.

Paulo Portas tem feito um esforço activo e continuado para trazer mulheres – e mulheres de qualidade, deve dizer-se – para a política e, sobretudo, para lhes dar lugares de destaque. A ascensão rápida de Assunção Cristas é um bom exemplo disso – e a desconfiança apriorística de muitos comentadores em relação à sua competência para os Ministérios que lhe foram entregues, desconfiança que não se tem aplicado (muito pelo contrário) aos vários ministros sem qualquer experiência governativa que compõem este Governo, é eloquente quanto ao caminho que falta fazer para que as mulheres tenham o mesmo direito que os homens à presunção de capacidade.

Estado de graça, para as mulheres, continua a ser apenas e só sinónimo de gravidez. É pouco, e básico.

Amor e entrega: as mulheres foram e são educadas para viver dentro da música destas duas palavras – o que lhes deu e dá resistência para suportar o insuportável e para perdoar o imperdoável. Também por isso estiveram invisíveis durante a maior parte da História da Humanidade. Os homens foram e são educados para a competição e o combate – com surtos ou momentos isolados de amor e entrega, que funcionam como o descanso do guerreiro.

Numa primeira versão de um dos meus romances havia um homem que às tantas dizia a uma mulher: «Entreguei-me a ti». Mão amiga masculina prontamente me fez ver a inverosimilhança da frase: «Onde é que foste buscar isto? Alguma vez ouviste isto a um homem? Não conheço nenhum que fosse capaz de o dizer. Nem bêbado». Emudeci, corrigi aplicadamente o derrame imaginário, e pensei que o mundo só melhorará quando as mulheres amarem menos e os homens se entregarem mais.

Agora, aos novos governantes exige-se-lhes que se entreguem ao país, que aprendam com as mulheres a manter o entusiasmo e a candura ao longo do tempo e das vicissitudes, e a ousarem a coragem de se manterem fiéis aos seus sonhos – ou seja, a si mesmos.

Inês Pedrosa